domingo, 20 de dezembro de 2009

A ´glamourização´ das favelas nega a atitude sustentável

O Brasil é uma das 10 maiores potências econômicas do planeta faz algum tempo. Ora em oitavo, ora em nono lugar, o fato é que está sempre no topo da lista. Há quem afirme que o país subirá ainda mais alguns degraus nesse ranking. Nos próximos 40 anos deveremos ser a quinta maior potência econômica mundial. E já há economista apostando no 3° lugar, atrás apenas de China e Estados Unidos (nesta ordem).

Líder continental, o país, entretanto (esse ´entretanto´ é sempre o que mais nos atrapalha), carece de status político. Na Roma Antiga já se dizia que “à mulher de César não basta ser honesta, é preciso parecer honesta”. Traduzindo: se não houver reconhecimento explícito, a vontade apenas não basta.

Com uma economia razoavelmente estruturada, território generoso e população trabalhadora e criativa, o Brasil agora parte para ter agora um, digamos, “poder de persuasão” como dizem os militares. O reequipamento das Forças Armadas não vai deixar dúvidas sobre quem é a bola da vez no cenário regional e internacional. Ao menos tudo leva a crer que caminhamos nesta direção.

Entretanto (olha aí aquela expressãozinha safada de novo) ... ainda padecemos da falta de orgulho próprio. O jornalista, dramaturgo, escritor e cronista esportivo Nelson Rodrigues já se referia a isto, criando a expressão “complexo de vira-latas”. E assim o definia: “Por 'complexo de vira-latas' entendo eu a inferioridade em que o brasileiro se coloca, voluntariamente, em face do resto do mundo”.

O brasileiro até a década de 1950 achava-se inferior ao resto do mundo. Ainda tínhamos uma baixa estima, própria dos países colonizados do passado. Com a conquista da Copa do Mundo de Futebol em 1958 o próprio Nelson decretava o fim do “complexo de vira-latas”. A partir de então, nos transformávamos em gigantes e o mundo se ajoelharia a nossos pés. No futebol, pelo menos. Mas já era um começo.

Naquela época era necessário lutar contra o subdesenvolvimento (expressão utilizada ao largo das décadas de 50, 60, 70, 80 e até o início dos anos 90 do século passado) e gerar um status próprio das nações desenvolvidas (mais tarde chamadas de industrializadas, de Primeiro Mundo etc) ou, mais adequadamente, das nações em desenvolvimento.

Ao mesmo momento em que o país começa a se industrializar (entenda-se o período do pós-guerra, porque antes éramos apenas um grande latifúndio muito pouco produtivo, com ´políticas´ agrícolas de monocultura), surgem fortes movimentações sociais. Findo o período das imigrações (segunda metade do século XIX e início do XX), iniciam-se os fluxos migratórios no Brasil. A região Nordeste e o estado de Minas são campeões disparados na exportação de sua gente para centros mais desenvolvidos, em busca de oportunidades e melhores condições de vida.

Os governos sucessivos, preocupados sabe-se-lá com o quê que não propriamente com as necessidades mais prementes de sua gente, foram fazendo vistas grossas às crescentes demandas sociais.

O empobrecimento das populações campesinas do interior de São Paulo, Paraná, Minas, os intocáveis latifúndios das Capitanias Hereditárias do Nordeste e outros fatores associados levaram ao deslocamento de verdadeiras massas humanas para os grandes centros (Rio de Janeiro e São Paulo, em especial).

Com a falta de planejamento e políticas públicas, foram criados verdadeiros amontoados humanos. A pobreza criava palafitas em regiões ribeirinhas e nas cidades a favela. O tempo passou, passou, passou e... nada se fez para se debelar essas submoradias e oferecer uma condição digna para o povo que, como um todo (e não apenas na favela), passou a crescer em progressão geométrica, a partir dos anos 1950.

Com o tempo, favelas foram sendo ocupadas não apenas por trabalhadores com renda ínfima, ou condição social precária. A ausência do estado gerou, previsivelmente, o temível poder paralelo. E deu no que deu.

Hoje favela é chamada de “comunidade” e seus moradores não são necessariamente 100% carentes de renda mínima. Há verdadeiros QGs de tudo o que não presta, amalgamando-se à população de alguns brasileiros trabalhadores e decentes.

E os sucessivos governos o que fazem ? O que mesmo ? Ao invés de acabarem com as favelas -- hoje organizadas ou subordinadas a certas “facções pouco ortodoxas” à luz da lei -- , intervindo fortemente na reorganização social de populações marginalizadas e extinguindo o crime organizado, faz o que mesmo ? Resposta: ajuda a glamourizar a favela.

Peço licença para o neologismo “glamourizar” -- derivado da expressão inglesa “glamor”, aportuguesada como glamour que o dicionário Michaelis define como ENCANTO, FASCÍNIO, CHARME – e reitero: mais que o governo, importantes segmentos da sociedade civil aplaudem esse processo de glamourização das favelas.

Como jornalista que sou, consciente de minhas funções e responsabilidades sociais, sempre lutei por um país socialmente justo e democrático. E democracia só se legitima através de um processo sério de cidadania, de liberdades e de igualdade de oportunidades. Socializar a miséria não é igualdade. Glamourizar a pobreza não é lição de cidadania.

O povo dos morros merece dignidade, tanto quanto os moradores de Ipanema, do Leblon e da Barra. Moradores de Itaquera, Guaianazes e Vila Brasilândia merecem acesso à educação, moradia e lazer tanto quanto os do Morumbi, Itaim e Moema.

Glamourizar as favelas, eximindo-se governos de culpa e adiando ad aeternum a sua extinção, é um erro. É relegar as populações atuais, e seus descendentes, a condições paralelas de vida. O Brasil deveria ter vergonha disso. Vergonha de ter tanta riqueza natural e um dos maiores territórios do mundo, enquanto parte de sua população se amontoa em submoradias. Governos, ONGs e cidadãos de brasileiros deveriam sentir-se enrubecidos com a miséria e a desorganização social e não estimular clips, chamar os holofotes e fazer festa com artistas de renome internacional em suas escadarias e vielas mal ajambradas.

Eu não consigo me convencer que glamourizar favelas seja uma atitude sustentável. Do mesmo jeito que não consigo conceber um Brasil sendo a terceira potência econômica mundial, no futuro breve, com parte de seu povo dando “tchauzinho” para televisões norte-americanas e européias da janela de uma barraco de madeira pendurado na encosta do morro.

E tenho dito.

Um comentário:

  1. Nelson, de acordo com suas considerações de 20/12/2009, sobre "glamourização de favelas". Vou mais além, pois sou contra glamourizar a ignorância, a pobreza, a miséria, a falta de educação e de cultura. Enfim sou contra glamourizar, permitindo que se ganhe dinheiro ou prestígio, valorizando a mediocridade em geral, a falta de caráter, a passividade e o desinteresse em viver com dignidade de seres humanos respeitáveis. Não vou me alongar mais. O Brasil tem mais de 8,5 milhões de km quadrados, e dá para distribuir neste território, sem concentrar como ratazanas, mais de 600 milhões de seres que mereçam ser chamados de humanos, não de "membros de comunidade".

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