quarta-feira, 25 de novembro de 2020

REtalhos

A vida é feita de retalhos. A gente guarda fragmentos de nossa existência na memória. Muitos. Alguns mais aparentes, mas a maioria - especialmente nesses tempos exagerados de informação - vai sendo jogada lá pro fundo. Alguns escondem-se da gente por anos e anos a fio. E, do nada, a gente vai lá no chamado “arquivo morto” e pesca. Direitinho. E traz de volta a lembrança, aviva, curte, recurte e, como que sem querer, emenda em alguma outra lembrança, ou fato.

Hoje (25/11) eu fiz isso. Juntei mais um retalho. A passagem de D. Diego, talvez mais previsível que gostássemos, mas ainda assim supreendente. Ah, a morte… ela tá por aí, vagando pra lá e pra cá, sempre à espreita por onde quer que a gente ande. Esta velha conhecida, que muitas vezes tenta nos abraçar e a gente “dá um Pelé” nela. Por ter tanta intimidade, nem ligamos mais pra ela… e por isso mesmo a coisa nos distrai e PIMBA! Faz o seu serviço. E quando está braba, leva mesmo. Pois é… ainda hoje ela nos tirou o “Pibe”, aquele moleque irreverente que fez muita gente parar pra vê-lo jogar. D. Diego Maradona está na galeria dos gênios, agora pra sempre. Explicar o que ele fez? Deixa pra lá. Pega um vídeo e mostra. Mais fácil, mais verdadeiro.

GATILHO -- Decidi escrever estas mal traçadas porque a passagem de D. Diego me deu gatilho e me fez lembrar de um amigo, que tb partiu (com mais pressa que o argentino, o meu brother brazuca decidiu ir há uns 15 anos já…) Há 15 anos passados, eu ainda arriscava judiar da grama sintética, batendo uma bolinha todas as quintas-feiras, em uma quadra de “futebol suíço, ou futebol de 7 (e às vezes de 5 mesmo)”. Primeiro no Tatuapé, depois na Pompeia. Era muito divertido. Um certo dia levei este amigo, Toninho, pra lá. O cara se trocou, entrou em campo com uma certa protuberância abdominal e começou, logo a se enturmar, a fazer graça. Na vida, o Toninho tb era irreverente. De soslaio, lembrava o Maradona. Eu levantei essa lebre e o apelidei. Todos em quadra caíram na risada e tb passaram a tratá-lo de “Maradona”. No futebol de hoje, ele seria algo como um terceiro reserva do Jonathas Cafu mas… ali pra gente era o Maradona. Não jogava porra nenhuma, mas a todos divertia, com suas tiradas, inteligentes, e irreverência. Só pra quem o conheceu, privou da sua amizade, e tem memória das vezes que nos acompanhou por lá a historinha faz sentido.

O lance não é a figura do meu amigo, jornalista, corintiano, e que gostava do mercado de capitais tb, em si. O “ó do borogodó” que me atiçou a memória foi ter vindo o Maradona amigo à tona, com a partida do Maradona real. À minha moda, colei mais um retalho. E ao fazer isso, percebo que esta minha colcha está ficando comprida demais. Já há muitos deles colados. Não sei se por covardia ou pela emoção da hora, não quero mais colar retalhos. Já existe um manto suficientemente grande para cobrir tudo o que preciso. Com pedaços de cores diversas, mas quase todas desbotadas. É como se a vida fosse tudo em cor pastel, cada vez que emendo um retalho. Agora vou guardar a agulha e espero não vê-la tão cedo. De preferência, nunca mais. Que não seja ela mais tocada, não pelas minhas mãos.

quinta-feira, 14 de maio de 2020

P´ra onde mesmo?

Pessoas andam depressa nas ruas. À distância parece-me que todas encaram um ponto fixo no horizonte. Não há olhares doces. Não há sorrisos no rosto. Não há vida querendo se transformar em alegria, somente o olhar perdido de uma paisagem lúgubre. Assim é São Paulo, a cidade que começa a retomar o vai-e-vem das ruas – ainda que a contragosto do sr. prefeito . E para onde vão todos? É possível que nenhum de nós saiba.

#DivagacionesDelEncierro

terça-feira, 21 de abril de 2020

A Data de Tiradentes

Num dia como hoje, em 1985 era anunciada a morte de Tancredo Neves.

Foi um domingo. Lembro-me que pela primeira vez na história do jornal o Diário do Grande ABC tirou uma edição de segunda-feira. Diversos jornalistas correram pra redação a fim de fazer uma edição especial. Eu, que cobri toda a agonia de Tancredo na porta do Hospital do Coração do Hospital das Clínicas de São Paulo (o Incor), estava entre esses.

Comentei com o então editor-chefe, dias antes: "Acho que o Tancredo já morreu. Aliás, tenho um palpite: ele morreu no domingo de Páscoa, 14, e só estão escolhendo o dia para anunciar. Aliás, 21 de abril é um dia magnânimo na História, vai daí que...". Mas de onde saiu isto? Quem confirmou? De seus 39 dias de agonia, com sete cirurgias, paradas cardíacas e procedimentos diversos no prontuário, Tancredo sofreu. Junto dele toda uma Nação, em agonia, pois que este representava um momento de esperança. A velha raposa -- que tinha sido um "primeiro-ministro" mal ajambrado na crise do governo Jango, 21 anos antes -- agora encarnava a esperança de um país a ser reconstruído politicamente.

Eu, Carlos Nascimento (Globo), Arnaldo Faria de Sá (Record), um chiliquento da Jovem Pan que não citarei o nome (porque já época se achava mais importante que a notícia...), e mais algns coleguinhas de Dipo, FSP e Estadão, entre outros, estávamos ávidos por notícias. Conversávamos com frequência, mas pouco adiantava para se descobrir novidades. De oficial só os boletins, do outro lado da rua, no Centro de Convenções, com o Brito fazendo as vezes de porta-voz do presidente eleito que não tinha sido empossado. A gente ali na porta, tentando ouvir fontes que chegavam ao hospital -- ou procurando informação fora daquele prédio -- e não se andava um milímetro. A dúvida era: o Tancredo está vivo ou não? Uma colega se vestiu de enfermeira e tentou furar o rigoroso bloqueio que se formou. Não deu certo. Ninguém tinha acesso à fonte primária e mesmo os mais ilustres políticos chegavam, no máximo, no andar em que ele estava. Outros, do baixo clero, nem isso. Faziam visitinha protocolar só para assinar o livro e dar entrevista na porta de um Incor chapado de jornalistas.

Assassinato, ainda em Brasília, era uma das hipóteses mais comentadas mas que pouco levamos a sério. Nestas épocas sempre surgem especulações mil. De reles briga de bar a abduções. Afastadas as teorias mirabolantes, a realidade é que a falta de notícia objetiva incomodava. Eu nunca confirmei, mas deixei a porta do Incor com a sensação de que o cadáver repousou no prédio pelo menos por uma semana. Até porque era preciso "preparar o povo" e, mais que isso, fechar o acordo político. Sarney tinha sido empossado, como vice eleito, mas Tancredo não tomou posse. E a questão político-jurídica era: José Sarney seria empossado, então como presidente (sem que o titular o fosse), ou se cancelaria esta eleição e devolveríamos a bola pro Congresso (que tinha derrotado Maluf, com 72,4% dos votos (480) contra 27,3% (180), registre-se. Veja, no google, o que foi o Colégio Eleitoral). Não, não era possível desmanchar a esperança, depois de 21 anos de verde-oliva na cadeira presidencial. Tinha de existir uma saída civil, ainda que fosse com o Sarney (lugar-tenente dos milicos, ao chefiar o PDS, partido de sustentação da ditadura). Jogavam-se as fichas no tabuleiro do Sarney que, por conta do acordão devidamente costurado pela velha raposa mineira, deveria ter a sensibilidade necessária de fazer a travessia. Sim, sabíamos que era um período de "transição democrática". Sentava-se ali um homem de terno, mas com uma camiseta verde-oliva por debaixo deste. E a transição foi feita. Ao fim do seu governo veio a primeira eleição direta desses novos tempos que Tancredo, espertamente, tinha batizado de "Nova República".

E o resto é história mais recente. O fato é que o 21 de abril de 1985 ficou marcado como mais uma data de altíssima importância na vida política do país. Hoje as pessoas nem lembram mais do que aconteceu outro dia, quanto mais de se aprofundar na história, mas intuitivamente eu continuo acreditando que a Data de Tiradentes é só dele mesmo. O conterrâneo de Joaquim José partiu uma Lua antes.

segunda-feira, 13 de abril de 2020

O Adeus a A. Plöger.

Existem notícias que destroçam a gente. Acabo de saber que morreu (ontem, no domingo de Páscoa) Alfried Plöger, presidente da Associação Brasileira das Companhias Abertas, conselheiro da Cia. Melhoramentos (onde construiu a sua carreira profissional) e colaborador do Depto. de Economia da Fiesp, entre outras atividades.

Economista, nasceu na Alemanha há 80 anos mas era brasileiro por opção. “Eu tenho passaporte verde”, orgulhava-se de dizer (antes do Mercosul era esta a cor do nosso passaporte). De voz forte, sempre marcando presença por onde passava, Plöger fará falta. Rigoroso no cumprimento do dever, sempre muito atento a prazos e horários, era um homem ativo e muito admirado por seus pares. Era tanto rigoroso como bem-humorado. Sabia temperar.

Dele ficam várias lembranças nos 15 anos em que convivemos. Em meu último dia de Abrasca, como prestador de serviços – 05 de março último – nos demos o último aperto de mão. Foi cordial e tb foi diferente. Que Deus o tenha e conforte a família.

sexta-feira, 10 de abril de 2020

Plurale - ESPECIAL CORONAVÍRUS - "Ressignificar é preciso"

Texto publicado no site de Plurale, em 08 de abril de 2020.

https://www.plurale.com.br/site/noticias-detalhes.php?cod=17506&codSecao=28

ESPECIAL CORONAVÍRUS - "Ressignificar é preciso"

Por Nélson Tucci, Colunista de Plurale

Recolhemo-nos à caverna. Ali seremos prisioneiros de nós mesmos. Ou daremos asas à imaginação, derrubando preconceitos (como ensina Platão em Mito da Caverna) e procurando ressignificar a vida. Com a devida licença poética, quero batucar livremente no teclado que se oferece à minha frente. Farei um cozido, digamos, platônico, para tentar quebrar o tédio de leitores encerrados no covil. E o faço não em homenagem a ele, mas é inevitável a lembrança do ministro que comparou jornalistas a cozinheiros. Cozinho, logo existo.

Voltemos à caverna. Há quem se aprofunde no diálogo, extraindo do individual o todo necessário para a transformação. Estes vão dedilhar paredes, sentir o chão, observar e tentar traduzir signos diversos. Haverão de enxergar muitas significâncias dentro de sí. Assim, as cousas externas terão novo sentido. É a ressignificação. Em nossa caverna (Platão diz que passamos a infância nela) haveremos de encontrar os apetrechos necessários para ir tecendo, fio a fio, algo que nos dê um norte. Não é crível nos autocondenarmos a viver na caverna; tampouco que a saída seja logo ali, pois que se assim fosse não mais haveria ninguém em seu útero.

Os mais rasos de percepção, entretanto, não tecem. E, por conseguinte, não param. Andam no retilíneo fixando-se em único ponto, objetificado na palma da mão – em busca do sinal perdido. Os primeiros buscam o elo, os últimos o sinal. A esses, a crença de que a terra é plana satisfaz, pois não será preciso subir montanhas, contornar o caminho e descer para se buscar novos impulsos.

Buscarão o sinal, no final do retilíneo. Passarão por curvas, rios, desafiarão a espeleologia mas não se darão conta, pois querem apenas um sinal (mágico !) que brotará na palma da mão. Até o dia em que travestidos de wi fi chegam os sons, o tão esperado sinal ao final do caminho. Mas o tempo passou e algumas revoluções nos ensinaram e nos consumiram. O tempo passou, célere, e aí já não se precisará mais dele.

Mais que tecer o fio é preciso buscar o norte. É ele que apontará a saída, natural, desse caos. É construindo o conhecimento dentro de cada um que haveremos de encontrar várias saídas. Eu me desafio a pensar que não deva existir uma única. É preciso ressignificar as paredes, o chão, o ar e a própria caverna. Haverá o tempo de deixarmos a vida uterina e partir para a transmarina.

(*) Nelson Tucci é jornalista, cozinheiro extremamente amador e colunista de Plurale.

terça-feira, 7 de abril de 2020

Ressignificar é preciso

Por sugestão de minha nova amiga virtual, Marilu ( @MariluHerrera - advogada na Cidade do México), escrevo um post sustentado na hashtag #DivagacionesDelEncierro

Ressignificar é preciso

Recolhemo-nos à caverna. Ali seremos prisioneiros de nós mesmos. Ou daremos asas à imaginação, derrubando preconceitos (como ensina Platão em Mito da Caverna) e procurando ressignificar a vida.

Há quem se aprofunde no diálogo, extraindo do individual o todo necessário para a transformação. Estes vão dedilhar paredes, sentir o chão, observar e tentar traduzir. Haverão de enxergar muitas significâncias dentro de sí. Assim, as cousas externas terão novo sentido. É a ressignificação.

Os mais rasos de percepção, entretanto, não param. Andam no retilíneo fixando-se em único ponto, objetificado na palma da mão – em busca do sinal perdido. Os primeiros buscam o elo, os últimos o sinal. A esses, a crença de que a terra é plana satisfaz, pois não será preciso subir montanhas, contornar o caminho e descer para se buscar novos impulsos.

Buscarão o sinal, no final do retilíneo. Passarão por curvas, rios, desafiarão a espeleologia mas não se darão conta, pois querem apenas um sinal mágico que brotará na palma da mão. Até que travestidos de wi fi chegam os sons, o esperado sinal ao final do caminho. Mas o tempo passou, célere, e aí já não se precisará mais dele.