terça-feira, 21 de abril de 2020

A Data de Tiradentes

Num dia como hoje, em 1985 era anunciada a morte de Tancredo Neves.

Foi um domingo. Lembro-me que pela primeira vez na história do jornal o Diário do Grande ABC tirou uma edição de segunda-feira. Diversos jornalistas correram pra redação a fim de fazer uma edição especial. Eu, que cobri toda a agonia de Tancredo na porta do Hospital do Coração do Hospital das Clínicas de São Paulo (o Incor), estava entre esses.

Comentei com o então editor-chefe, dias antes: "Acho que o Tancredo já morreu. Aliás, tenho um palpite: ele morreu no domingo de Páscoa, 14, e só estão escolhendo o dia para anunciar. Aliás, 21 de abril é um dia magnânimo na História, vai daí que...". Mas de onde saiu isto? Quem confirmou? De seus 39 dias de agonia, com sete cirurgias, paradas cardíacas e procedimentos diversos no prontuário, Tancredo sofreu. Junto dele toda uma Nação, em agonia, pois que este representava um momento de esperança. A velha raposa -- que tinha sido um "primeiro-ministro" mal ajambrado na crise do governo Jango, 21 anos antes -- agora encarnava a esperança de um país a ser reconstruído politicamente.

Eu, Carlos Nascimento (Globo), Arnaldo Faria de Sá (Record), um chiliquento da Jovem Pan que não citarei o nome (porque já época se achava mais importante que a notícia...), e mais algns coleguinhas de Dipo, FSP e Estadão, entre outros, estávamos ávidos por notícias. Conversávamos com frequência, mas pouco adiantava para se descobrir novidades. De oficial só os boletins, do outro lado da rua, no Centro de Convenções, com o Brito fazendo as vezes de porta-voz do presidente eleito que não tinha sido empossado. A gente ali na porta, tentando ouvir fontes que chegavam ao hospital -- ou procurando informação fora daquele prédio -- e não se andava um milímetro. A dúvida era: o Tancredo está vivo ou não? Uma colega se vestiu de enfermeira e tentou furar o rigoroso bloqueio que se formou. Não deu certo. Ninguém tinha acesso à fonte primária e mesmo os mais ilustres políticos chegavam, no máximo, no andar em que ele estava. Outros, do baixo clero, nem isso. Faziam visitinha protocolar só para assinar o livro e dar entrevista na porta de um Incor chapado de jornalistas.

Assassinato, ainda em Brasília, era uma das hipóteses mais comentadas mas que pouco levamos a sério. Nestas épocas sempre surgem especulações mil. De reles briga de bar a abduções. Afastadas as teorias mirabolantes, a realidade é que a falta de notícia objetiva incomodava. Eu nunca confirmei, mas deixei a porta do Incor com a sensação de que o cadáver repousou no prédio pelo menos por uma semana. Até porque era preciso "preparar o povo" e, mais que isso, fechar o acordo político. Sarney tinha sido empossado, como vice eleito, mas Tancredo não tomou posse. E a questão político-jurídica era: José Sarney seria empossado, então como presidente (sem que o titular o fosse), ou se cancelaria esta eleição e devolveríamos a bola pro Congresso (que tinha derrotado Maluf, com 72,4% dos votos (480) contra 27,3% (180), registre-se. Veja, no google, o que foi o Colégio Eleitoral). Não, não era possível desmanchar a esperança, depois de 21 anos de verde-oliva na cadeira presidencial. Tinha de existir uma saída civil, ainda que fosse com o Sarney (lugar-tenente dos milicos, ao chefiar o PDS, partido de sustentação da ditadura). Jogavam-se as fichas no tabuleiro do Sarney que, por conta do acordão devidamente costurado pela velha raposa mineira, deveria ter a sensibilidade necessária de fazer a travessia. Sim, sabíamos que era um período de "transição democrática". Sentava-se ali um homem de terno, mas com uma camiseta verde-oliva por debaixo deste. E a transição foi feita. Ao fim do seu governo veio a primeira eleição direta desses novos tempos que Tancredo, espertamente, tinha batizado de "Nova República".

E o resto é história mais recente. O fato é que o 21 de abril de 1985 ficou marcado como mais uma data de altíssima importância na vida política do país. Hoje as pessoas nem lembram mais do que aconteceu outro dia, quanto mais de se aprofundar na história, mas intuitivamente eu continuo acreditando que a Data de Tiradentes é só dele mesmo. O conterrâneo de Joaquim José partiu uma Lua antes.

Um comentário:

  1. Pois é. Quando parecíamos avançar na construção democrática, outro golpe colocou o país na marcha a ré em que nos encontramos hoje!

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